terça-feira, 19 de junho de 2012

Robin Hoods autorais ou cidadãos conscientes?



Era uma vez um site chamado Livros de Humanas.  Não tinha fins lucrativos e compartilhava textos de livro bem caros, ajudando estudantes universitários com poucos recursos financeiros. E, apesar de ser desconfortável ler textos no computador, sua popularidade foi aumentando.

Então, autores e editoras que estavam deixando de lucrar com esse compartilhamento não autorizado, contataram uma entidade chamada Associação Brasileira de Direitos Reprográficos – ABDR. E ao ser acionada, está processou os donos do site e mandou desligá-lo.

É muito fácil usar do maniqueísmo nos casos de Direitos Autorais. Há sempre um antagonista, porque é impossível não haver confusão onde termina o direito de um e começa o do outro. A história pode ser invertida e falar de um humilde autor que viu seus livros sendo “pirateados” em um site, ou sobre uma editora que estava falida e quase fechando as portas e viu seus livros em um site...


Em geral, no Direito é assim, não há certo e errado. Esse tempo no escritório trabalhando com Direitos Autorias cansei de ver a enorme distância entre o ponto de vista de uma parte da de outra. Palavras e termos jurídicos são simples, mas são fácil e propositalmente confundíveis!

Mas, voltando ao caso exposto, aconteceu um “compartilhamento de contéudo não autorizado” - e é bom lembrar do “sem fins lucrativos”. A Lei de Direitos Autorais (a digníssima Lei 9.610/98) consegue caracterizar a contrafação  – “a reprodução não autorizada”. Mas não fala nada sobre o “compartilhamento não autorizado”.

Falei do crime, falta o castigo. E esse é com a Lei 10.695 de 2003. Ela, na realidade modificou o artigo 184 do poeirento Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (também chamado de Código Penal):
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Curto e grosso, né? E a coisa piora  nos parágrafos que vem em seguida, em que temos as formas qualificadas do crime  - ou seja, com a pena consideravelmente mais alta, devido à maior reprovabilidade da conduta. Contudo, em cada signum sectionis (ou §, ou parágrafo mesmo) há sempre a expressão “com intuito de lucro direto ou indireto”.

Daí podemos entender que se a galera do site cometeu crime, mas na forma simples – aquela ali entre aspas. E só por curiosidade: o tempo da pena o caracteriza como “crimes de menor potencial ofensivo”, e a detenção, no caso, pode até ser substituída por uma pena alternativa.

Oquei, então tanto bafafá sobre um crime tecnicamente bobo chama atenção para duas coisas: primeiro a evidência de uma lacuna na Lei de Direitos Autorias; segundo fica a pergunta: compartilhar conteúdo sem fins lucrativos e sem autorização, com caráter didático, é crime?

Na minha opinião, esse episódio serve para mostrar um desacordo da legislação autoral com alguns preceitos fundamentais da Constituição Federal. Isso é grave e precisa ser discutido, pois tem a mesma raiz de outros problemas, como a quebra de patentes de remédios ou a desapropriação de terras, que é: até onde o direito ao bem individual - direito do autor - se impõe com relação ao direito aos bens coletivos - compartilhamento não autorizado da obra?

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