Era uma vez um site chamado Livros de Humanas. Não tinha fins lucrativos e compartilhava
textos de livro bem caros, ajudando estudantes universitários com
poucos recursos financeiros. E, apesar de ser desconfortável ler textos no
computador, sua popularidade foi aumentando.
Então, autores e editoras que estavam deixando de lucrar
com esse compartilhamento não autorizado, contataram uma entidade chamada
Associação Brasileira de Direitos Reprográficos – ABDR. E ao ser acionada, está
processou os donos do site e mandou desligá-lo.
É muito fácil usar do maniqueísmo nos casos de
Direitos Autorais. Há sempre um antagonista, porque é impossível não haver
confusão onde termina o direito de um e começa o do outro.
A história pode ser invertida e falar de um humilde autor que viu seus
livros sendo “pirateados” em um site, ou sobre uma editora que estava falida e
quase fechando as portas e viu seus livros em um site...
Em geral, no Direito é assim, não há certo e errado. Esse
tempo no escritório trabalhando com Direitos Autorias cansei de ver a enorme distância
entre o ponto de vista de uma parte da de outra. Palavras e termos jurídicos são
simples, mas são fácil e propositalmente confundíveis!
Mas, voltando ao caso exposto, aconteceu um
“compartilhamento de contéudo não autorizado” - e é bom lembrar do “sem fins
lucrativos”. A Lei de Direitos Autorais (a digníssima Lei 9.610/98)
consegue caracterizar a contrafação – “a reprodução não autorizada”.
Mas não fala nada sobre o “compartilhamento não autorizado”.
Falei do crime, falta o castigo. E esse é com a Lei 10.695
de 2003. Ela, na realidade modificou o artigo 184 do poeirento Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (também chamado de Código Penal):
“Art. 184. Violar
direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3
(três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”
Curto e grosso, né? E a coisa piora
nos parágrafos que vem em seguida, em que temos as formas
qualificadas do crime - ou seja, com a pena consideravelmente mais alta,
devido à maior reprovabilidade da conduta. Contudo, em cada signum sectionis (ou §, ou parágrafo
mesmo) há sempre a expressão “com intuito de lucro direto ou indireto”.
Daí podemos entender que se a galera do site cometeu crime,
mas na forma simples – aquela ali entre aspas. E só por curiosidade: o tempo da
pena o caracteriza como “crimes de menor potencial ofensivo”, e a detenção, no
caso, pode até ser substituída por uma pena alternativa.
Oquei, então tanto bafafá sobre um crime tecnicamente bobo
chama atenção para duas coisas: primeiro a evidência de uma lacuna na Lei de
Direitos Autorias; segundo fica a pergunta: compartilhar conteúdo sem fins
lucrativos e sem autorização, com caráter didático, é crime?
Na minha opinião, esse episódio serve para mostrar um
desacordo da legislação autoral com alguns preceitos fundamentais da Constituição Federal. Isso é grave e
precisa ser discutido, pois tem a mesma raiz de outros problemas, como a quebra
de patentes de remédios ou a desapropriação de terras, que é: até onde o
direito ao bem individual - direito do autor - se impõe com relação ao direito
aos bens coletivos - compartilhamento não autorizado da obra?
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